terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Solidariedade para com o Filósofo Chico Gretter.

Prezado Aldo;

Sobre essa questão, a gente conversa sábado, certo? Obrigado pelo apoio.

CHICO GRETTER

--- Em dom, 12/12/10, Aldo Santos escreveu:

De: Aldo Santos
Assunto: Encaminhamento sobre o assédio Moral contra o Professor Chico Gretter, conforme carta aberta.
Para: "Aldo Santos"
Data: Domingo, 12 de Dezembro de 2010, 20:23


Olá Companheiro Chico Gretter, Entendo que se trata de um caso de assédio Moral e que devemos nos reunir urgentemente com a direção dessa escola e os professores para que ela se retrate de seu posicionamento ditatorial e antipedagógico. Nós da TLS nos colocamos a sua disposição.
Proponho inclusive que nos reunamos no sábado dia 18/12/2010,as 9 horas na apeoesp Central da discutir esse problema e os encaminhamentos da Associação de Filosofia.
No aguardo de um retorno,
Atenciosamente,
Aldo Santos



Preszados Companheiros:

Envio anexo uma "Carta Aberta", que é uma resposta que dei à direção de minha escola por ter receb ido uma "Notificação" pelo atraso na entrega de notas. Acredito que o meu "desabafo", que procurei fundamentar, espelha a situação de muitos colegas na rede pública estadual (e noutras).

Espero que leiam, reflitam e DIVULGUEM. Precisamos reagir a essa avalanche da tecnoburocracia que, em nome da eficiência e da produtividade, nos massacram no dia.

E o nosso reajuste salarial? As condições de trabalho? O respeito?

Grande abraço do "filósofo da Lapa",

CHICO GRETTER

CARTA ABERTA AO PROFESSORES

RESPOSTA À “NOTIFICAÇÃO” FEITA A MIM
PELA DIREÇÃO DA E.E. PROF. MANUEL CIRIDIÃO BUARQUE E OUTRAS REFLEXÕES

“A consciência tecnocrática apresenta uma visão a-histórica e despolitizada da administração escolar...A escola não é considerada como espaço de luta quanto a diferentes ordens de representação e configurações particulares de poder...mas fica reduzida à lógica estéril de gráficos e fluxos, à crescente separação entre professores e administradores e a uma tendência cada vez maior à burocratização”
(Henry Giroux, Escola crítica e política cultural, 1987, p. 13 – 16)
Eu, Francisco Paulo Greter, R. G. 9131862-2, professor efetivo desta escola, R.S. 4600447, 26 anos de magistério, venho responder à “Notificação” que a mim foi feita pela Diretora, em 07-10-10, advertindo-me para o fato de eu ter atrasado na entrega das notas do 3º bimestre do corrente ano e por supostas “constantes discussões” que tenho provocado. Sou acusado também de agir com descaso e descompromisso, o que é um juízo de valor subjetivo e injusto para com o meu trabalho. Não posso aceita-lo. Há uma grande distância entre um atraso na entrega de notas e ser um professor descompromissado e que age com descaso.
Realmente atrasei a entrega das notas. Mas devo lembrar que, na segunda-feira (04-10), estive doente e permaneci no pronto socorro o dia todo, conforme atestado entregue à Direção desta escola. De lá, avisei a secretaria que na tarde do dia seguinte resolveria a questão das notas. Na terça de manhã, quando dava aulas na UNIBAN, recebi telefonema da Diretora me interpelando de forma ríspida a entregar as notas. Ao chegar à escola naquela tarde fui tratado, pela Diretora, com muita pressão e tom de voz agressivo e intolerante.
Quanto às supostas discussões , faz muito tempo que tenho evitado polêmicas, a não ser as brincadeiras que fazemos com os amigos durante o cafezinho. Quase sinto saudades do tempo em que iniciei o magistério, 1983, em Vila Piauí, ainda tempos da ditadura militar, pois nem mesmo época éramos tão censurados. As posições ideológicas eram mais claras e as fronteiras mais nítidas. De lá para cá as coisas ficaram cinzentas, amareladas, difusas.
O pluralismo político e o direito à palavra (isegoria, na Grécia Clássica) são sagrados na democracia e o seu impedimento fere qualquer constituição moderna, inclusive a nossa: Art. 1º, parágrafo V e Art. 5º, parágrafos IV, VI e IX. Infelizmente alguns entendem a discussão de ideias, própria da democracia, como algo negativo, o que é um equívoco. Justamente devido a essa postura é que nós não conseguimos resolver alguns problemas crônicos aqui na E. E. Ciridião, como é o caso da indisciplina de alguns alunos, que dão trabalho o ano inteiro e quase nada acontece. Parece que há uma disposição inercial em não enfrentar os problemas, em evitar a todo custo qualquer conflito e a não se tomar nenhuma decisão mais séria. Qualquer tentativa de enfrentar o problema de frente é imediatamente entendida e reprimida como desestabilização da ordem, como tumulto. Continuamos autoritários, mas perdemos a autoridade que os educadores tinham no passado.
Da mesma forma se procede com o Grêmio, que nunca faz nada e, quando quer, é desencorajado com as velhas e preconceituosas frases: “eles não estão preparados”, “eles não sabem fazer”, “a Diretora não deixa”, etc. Pelo menos é o que os próprios alunos dizem ao serem interpelados pela sua inoperância. E todos nós criticamos os “políticos”! Por que nunca conseguimos que a E. E. Ciridião Buarque tenha um Grêmio Estudantil atuante? Será por isso que os alunos estão desmotivados e alienados e alguns até se dizem nazistas, anarquistas, etc.? Isto não afeta o rendimento dos alunos e consequentemente a avaliação da escola.
Se por um lado respira-se certo autoritarismo, por outro sentimos certa ausência de autoridade com relação aos alunos, característica do escolanovismo mal aplicado na educação brasileira, em que a autoridade pedagógica dos professores é diminuída e desrespeitada em nome do princípio: “O aluno é o centro do processo”. Ou pelo dogma do mercado neoliberal: “O cliente tem sempre razão”. Não temos mais alunos, não somos mais educadores, mas “clientes” e “fornecedores” no mercado da educação. Porém, é bom deixar claro que os defensores da “escola nova” (John Dewey, Anísio Teixeira...) nunca preconizaram a eliminação da autoridade dos educadores. Muito menos os seguidores da “pedagogia progressista” (Snyders, Vygotsky, Paulo Freire, Saviani, Severino, Luckesi, etc.), os quais afirmam a autoridade pedagógica do professor como fundamental no processo educativo. Mas como ter autoridade se não temos o devido apoio? Acredito que está aqui uma das causas da propalada “crise da educação brasileira”.
Voltando à questão da Notificação, é certo que a Direção tem o direito de advertir seus professores e funcionários com base na legislação. Todavia, considero muita indelicadeza, falta de respeito e até desumanidade a forma como fui tratado, estando doente. Tanto que estou fazendo vários exames novamente, pois os que fiz em julho estavam quase todos alterados. Ao informar a direção sobre isso, recebi como respostai: “Não quero nem saber!”, “Tire licença”, etc. Ora, não sou eu que tiro licença, mas os médicos é que a dão se necessário. Afinal, estamos numa instituição de ensino ou numa mina de carvão da Inglaterra do século XIX?
Outro fator que tem dificultado a entrega de notas com pontualidade e agora o seu lançamento no sistema (mais uma forma de uniformização dos processos avaliativos) é o fato de terem sido a mim atribuídas 18 turmas (!), para completar minha jornada obrigatória (básica), o que torna o meu trabalho cansativo e muito difícil de ser realizado, com o mínimo de qualidade, nos prazos estabelecidos. A situação ainda piora pelo fato de que metade de minhas classes terem somente UMA aula por semana. Qualquer imprevisto, como feriados, pontos facultativos, atrasa o cumprimento do programa e as avaliações. A não ser que inventasse notas, o que não me lembro de ter feito nos meus vinte e seis anos de magistério! Nesse ponto, fui sempre um péssimo aluno do famoso “jeitinho brasileiro”!
Esclareço também que, na semana anterior à entrega de notas, fui obrigado a interromper o filme que estava passando, pois vieram técnicos consertar o vídeo e ninguém da Direção avisou que viriam, embora soubessem, conforme fui informado depois. Como fechar as médias de algumas turmas se não haviam terminado de assistir o filme programado e a avaliação dependia disso?
Lembro que o Direito Romano já preconizava o seguinte: se o Estado não dá condições de o cidadão cumprir a lei, não pode obrigá-lo e nem puni-lo. Como é possível avaliar com o mínimo de qualidade mais de 600 alunos e entregar notas bimestralmente. E quem garante que as notas são o resultado fiel das avaliações feitas pelos professores? Como afirma Carlos C. Luckesi (Avaliação da aprendizagem Escola, 2002), transformar valores qualitativos em quantitativos distorce a avaliação, chegando-se a resultados falsos. Mas continuamos seguidores idólatras do “deus-nota”. A gente sabe que a menção matemática classificatória no final do processo de uma unidade de ensino é apenas uma das fases da avaliação, aliás, a mais frágil. Ocorre que, logo depois da dengue, vivemos uma autêntica epidemia avaliatória na educação brasileira. Medimos a febre do defunto para depois enterrá-lo.
Bem, essas indagações “filosóficas” não vêm ao caso, pois parece que o mais importante é cumprir o ritual burocrático e tecnicista imposto pela tecnoburocracia. É por isso que o ensino no Brasil está uma beleza! E ninguém sabe realmente por que a qualidade do ensino é baixa e todos se perdem em índices disso e daquilo para “explicar” e apontar os culpados: os professores, de preferência. Até a Xuxa, Jô Soares, Faustão e Gilberto Dimenstein sabem mais de educação do que nós! A grande mídia não repercute a nossa vós, nem a do nosso sindicato. Só o governo tem voz. E ainda falam em “liberdade de imprensa”! É revoltante perceber como esses “especialistas” julgam o nosso trabalho, principalmente na escola pública. Como disse um professor amigo meu, nós funcionários públicos somos tratados da mesma forma que o eram os cristãos no Coliseu romano. Só que eles acreditavam na recompensa de uma vida eterna, enquanto nós somos jogados às feras da desvalorização (danação) eterna dessa máquina neoliberal, despudorada e vampiresca.
Penso que a Progressão Continuada se converteu, principalmente no Estado de São Paulo, nos últimos quinze anos, em “aprovação automática” devido a essa grave distorção provocada pelos burocratas do sistema de ensino, seguidores fieis da cartilha de Rose Neubauer...E eles, como os fariseus no dizer de Jesus, “colocam pesados fardos nos ombros do povo, mas nem com um dedo ajudam a carregá-los”. E ainda culpam quase que tão somente os professores pelo fracasso da educação, o que é repercutido pela grande mídia que apoia o atual governo de nosso Estado: “Os professores não sabem dar aulas”; “Os professores faltam muito”; "tiram licença demais”, “Precisam mudar os métodos de ensino para motivar os alunos”, “O professor deve se estressar menos”, etc., como se dependesse só de nós ficarmos tensos ou não. Será que nós, professores do Ensino Médio, somos os únicos culpados pelo fato de nossos alunos chegarem a esse grau de ensino sem saber escrever, interpretar um texto ou uma simples equação?
Então, olho para os meus dezoito diários e exclamo: “Ah, mas que maravilha, como é gostoso passar o domingo inteiro corrigindo provas e preenchendo papeletas!” Ou quando nos defrontamos com aqueles alunos que perturbam as nossas aulas, gritam, não fazem nada, nos desrespeitam (uma minoria, é certo, mas que tem aumentado a cada dia) e dizemos eufóricos: “Como é belo e suave educar as novas gerações, o futuro de nossa nação!”. E depois de cinco anos sem reajuste salarial, podemos erguer nossas mãos para o céu e agradecer ao Senhor por nos haver presenteado com essa sublime missão, uma verdadeira cruzada para defender a “Terra Santa” da educação. Talvez fosse bom aplicar uma das regras do “toyotismo” na educação, fazendo com que os burocratas do sistema voltassem às salas de aula de tempos em tempos para sentirem na pele o que nós professores sentimos no dia a dia! Certamente eles estão deixando de “curtir” muitas alegrias e prazeres, o que certamente é injusto.
Para piorar, ainda vinculam a maior ou menor aprovação dos alunos ao bônus do magistério, premiando os “competentes” e punindo os “incompetentes”, com base nos princípios de uma meritocracia equivocada, a partir da duvidosa avaliação aplicada pelo SARESP, cujo gabarito da penúltima prova estava à disposição na internet, na véspera da aplicação, para quem quisesse ver. E todos os problemas constatados nesta última. Será que esse tipo de avaliação mede o que realmente os alunos sabem? Da mesma forma podemos questionar a prova aplicada pelo governo para avaliar os professores e dar o “aumento salarial” a somente 20% da categoria, o que constitui um reducionismo e flagrante ato inconstitucional do governo de São Paulo para com os trabalhadores da educação. Vamos então, em nome da isonomia, exigir a mesma provinha para todas as categorias profissionais, a começar pelo judiciário e pelos políticos do executivo e do legislativo. Certamente muitos seriam reprovados como analfabetos funcionais em gestão pública e sensibilidade humana, mas faríamos justiça ao Deputado Tiririca. O pior é que as coisas podem, sim, piorar.
Como diz Saviani, vivemos a onda de um “neo-tecnicismo”, cuja pílula é dourada com lindos conceitos expropriados de outras teorias, empastelados num discurso de “competências” e “habilidades”. Com certeza um discurso muito competente e habilidoso a fazer inveja ao melhor os sofistas da Grécia clássica, que foram os primeiros “professores” da história a cobrar para dar aulas, mas não usavam cartilhas! É, eles não eram bobos. E nós, seguimos Sócrates ou os sofistas?
Por tudo isso não concordo de forma nenhuma com os termos utilizados para comigo na Notificação – “descaso”, “descompromisso” – os quais revelam juízos de valor subjetivos, que considero moralmente injustos. Posso demonstrar que tenho desenvolvido um trabalho razoável com minhas 18 turmas de 1ª e 2ª séries, mesmo com a quantidade absurda de alunos. Chamo ainda a atenção para o fato de que a Filosofia não permite avaliações meramente objetivas feitas a partir de conteúdos específicos e observáveis, como é o caso da matemática e das ciências, mesmo as humanas. Aliás, como determinar o que é “objetivo”? O que é a “objetividade”? Isso dificulta, principalmente em Filosofia, a correção de trabalhos, provas, debates, etc. Nenhum aluno questiona a “objetividade” da Matemática ou das “Ciências Exatas”, que de tão exatas eles não as aprendem direito. Este foi o tema de minha dissertação de mestrado (FEUSP, 1997).
Só para ilustrar, lembro que possuo três vezes mais diários do que um professor de Português ou de Matemática e duas vezes mais do que professores de outras disciplinas! Gasto mais energia, mas meu salário é o mesmo. A mais-valia sobre a mão-de-obra dos professores de filosofia é muito mais! Agradecemos.
Penso que, assim como o bônus, cujos critérios para o seu recebimento diferenciado não sabemos direito, a “provinha” do governo serve principalmente para nos iludir e nos dividir, deixando descontentes e desmotivados aqueles que não recebem o “aumento”, pois se sentem discriminados e injustiçados. Mas temos um consolo diante da pressão, do desrespeito, da excessiva jornada de trabalho, do cansaço, pois deram ao nosso esgotamento um bonito nome em inglês: síndrome de “burn out”. Não é por acaso que 70% dos internados na ala de psiquiatria do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) são ou foram professores!
Assim podemos nos consumir sozinhos e (in) felizes no êxtase e no gozo de nosso sacrifício por essa missão tão difícil, mas tão “valorizada”: a de educador, raça em extinção, que a sociedade só irá valorizar de fato quando não existirmos mais. Liguem o “data show” para que os “amigos da escola” assistam o fantástico show da (des) educação!
“O que devo pretender não é a neutralidade da educação mas o respeito aos educandos, aos educadores e à educadoras...por parte da administração pública ou privada das escolas...É por isso que devo lutar pelo direito que tenho diante da situação em que o corpo das mulheres e dos homens vira puro objeto de espoliação e descaso.” (Paulo Freire, Pedagogia da autonomia, 1996, p. 111 – 112).

São Paulo, 20 de novembro de 2010.
Francisco Paulo Greter - Filosofia
No “Dia Nacional da Consciência Negra” – Viva Zumbi!

P.S.: Esta “resposta” fará parte do livro que pretendo publicar antes de minha aposentadoria, se não morrer de desgosto antes, com o seguinte título: “Diário de um professor revoltado – derradeiras lições no quadro negro da deseducação Brasileira”.





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