domingo, 10 de junho de 2012

Filósofo redefine terapêutica do homem

PsiquiatraMauro Maldonato situa homem contemporâneo numa síntese entre natureza, culturae história
"Passagens de Tempo", novo livro do italiano, investiga o tempo docorpo, aliando os saberes da medicina e das artes


LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA DA FOLHA

09/06/2012

Ofilósofo italiano Mauro Maldonato, 51, autor do livro "Passagens deTempo", é um psiquiatra sui generis.

Partindode rede de referências que transita por ciências humanas, teologia eliteratura, ele busca situar a terapêutica do homem contemporâneo numa sínteseentre natureza, cultura e história, fundando um campo de intuições que vai alémda oposição entre matéria e espírito.

Entretanto,sua síntese não é um mar de superficialidades, mas uma trama de conceitosfilosóficos que exige do leitor repertório e atenção.

Folha -Como viver entre o tempo biológico, o social, o psicológico e o cosmológico semexperimentar tal confluência como mais uma demanda à nossa consciência modernajá saturada?
Mauro Maldonato - Não acredito ser apocalíptico quando digo que omal-estar descrito por Freud se transformou na civilização do mal-estar. Atecnociência está cancelando o equilíbrio entre o tempo natural e o tempohumano. Para realizar seu poder sobre o mundo, anulou a distância entre meios efins.
Estamos em plena realização do projeto biopolítico da tirania sobre o tempo esobre o corpo humano.
Desde a origem da civilização ocidental, o corpo tem sido considerado pelaciência como organismo a ser cuidado; da economia, como força de trabalho a serempregada; da religião, como carne a ser redimida.
Hoje, não se trata de emancipar o corpo das restrições impostas, mas derestituí-lo a sua inocência original.

Um dostempos em que vivemos é o da morte, o nada do humano. O senhor afirma que háuma potência do nada. Qual seria esta potência?
O niilismo, mais inquietante e impotente entre todos os hóspedes, foi imposto anossa época nas suas diferentes declinações: da metáfora perfeita do encontrocom o nada que clinicamente chamamos de ataque de pânico às potentes tendênciasda tecnociência. Temos necessidade de compreender as razões disso e deencontrar soluções. Um pensamento forte atravessa até o fundo da noite doniilismo e encontra um caminho para superá-lo.

O senhorparece crer num diálogo rico entre religiões. Não há conflitos insuperáveisentre algumas crenças historicamente constituídas?
O diálogo entre as religiões não pode ser uma simples comparação de hierarquiasde valores. Um diálogo é autêntico quando acolhemos o outro, sem anular asdiferenças. Creio que seja este, hoje, o desafio para todas as grandesreligiões.

O senhorcrê numa espiritualidade do ateísmo, como filósofos como Luc Ferry?
Ferry identifica o pensar com a pesquisa de uma salvação sem Deus. É umainstância presente em todas as grandes filosofias.
Estamos ainda com esta ideia fixa. O ateísmo diz que, além da nossa vidamundana, não precisamos nos importar com nada. É necessário nos opormos a tudoisso.
O nosso dever é lutar duramente, sem nos rendermos ao nada. Talvez tentandomudar os valores, com a coragem de quem constrói dia após dia a sua existênciaterrena.

Uma dasriquezas de sua obra é o diálogo entre a psiquiatria e humanidades. O senhor vêesse dialogo como um diferencial na formação de um "terapeuta da almahumana"?
A psiquiatria é uma ciência que estuda não apenas os sintoma psíquicos do homemneuronal, mas o homem na sua capacidade (e também na sua incapacidade) de viverna reciprocidade.
Por isso se faz necessário rever em novas perspectivas argumentos até opresente muito frequentemente omissos ou apenas esboçados: a inquietação, asolidão, a coragem da espera, a esperança, a nostalgia, a tendênciatranscendente.
Os espaços de pesquisa que se abrem nos indicam um percurso sensível à ética dotornar-se humano.

PASSAGENS DE TEMPO
AUTOR Mauro Maldonato
EDITORA Edições SescSP
QUANTO R$ 40 (192 págs.)

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