terça-feira, 28 de junho de 2011

O CORDEL DO “MITO DA CAVERNA”

O CORDEL DO “MITO DA CAVERNA”
Cultura | texto 9066, publicado no blog controvérsia

(Descrito por Platão)
“Não me abate o forte açoite Nem a luta por vencer... Por maior que seja a noite Há de o dia amanhecer.”

Medeiros Braga
Debruçar-me vou em “O Mito
Da Caverna” de Platão,
Vou tentar atualiza-lo
Ao fazer comparação
Com o mundo rude, insano,
Em que vive o ser humano
Na pior escravidão.
Dois mil e quinhentos anos
Fazem já que se passou
A chamada alegoria
Onde Platão se inspirou
Para expor com tal mestria
À luz da filosofia
A lição de educador.
Mas, é bom esclarecer
Ser um diálogo ocorrido
Entre Sócrates e Glauco
No seu tema preferido
Sempre de conscientização
Ao dar luz ao cidadão
No verdadeiro sentido.
Sócrates, como se sabe,
Não deixou nada escrito,
Conversava pelas praças
Sem registrar o seu rito,
Foi Platão quem resgatou
Toda história que ficou
Desse filósofo bendito.
Depois de escrever o Mito
Externou por precaução
Que havia outras cavernas
Com igual poder em mão
De deixar toda uma gente
Dominada, eternamente,
Com sua alienação.
Ele conta a história
Da caverna onde viviam
Uns escravos acorrentados
De tal forma que só viam
Sombras que na sua frente
Apareciam e somente
Sobre elas refletiam.
Com correntes no pescoço
E nas pernas, tais escravos
Se sentiam reprimidos
E com mais outros agravos
De só olhar para a frente
Formavam um inconsciente
De alienados conchavos.
Atrás dos homens havia,
Permanente, uma fogueira
Que projetava as imagens
Constantes, de tal maneira
Que eles tinham por demais
Como se fossem reais,
Como sendo verdadeiras.
As imagens que surgiam
Eram de gente e animais,
Por vezes de estatuetas
De madeira ou minerais
E suas sombras, então,
Davam forte sensação
De serem todas reais.
Pra dar mais conotação
De que eram verdadeiras,
Homens passavam falando
Bem à frente da fogueira
Dando aquela impressão
De que quem falava, então,
Era a sombra passageira.
Com tais sombras que falavam
Bem em frente, no topete,
E o som vindo de fora
Que no cenário compete,
Pareciam, sem deboches,
Um teatro de fantoches
Com tristes marionetes.
Para todos os efeitos
A caverna como tal
Era o seu lar, sua casa,
Seu habitat natural...
Sem demonstrar euforia
Tudo aquilo que se via
Era o seu mundo real.
Porém, um dia um escravo
Resolveu se libertar,
Arranjou uns instrumentos
Para as correntes quebrar
E com muito sacrifício
Usando bem do ofício
Pôde seu fim alcançar.
Com muita perseverança
Rompeu corrente e grilhão,
Levantou-se, então, saiu
Trombicando pelo chão,
Naquele momento, a esmo,
Teve o escravo ali mesmo
A primeira frustração.
Meio ainda encandeado
Com o claro da fogueira
Pôde ver que a imagem
Que tinha por verdadeira
De real não tinha nada
Era ela projetada
Pelo claro da fogueira.
Ficou por tal descoberta
Cheio de curiosidade
E seguiu caverna afora
À procura da verdade...
Com o corpo dolorido
Foi por ele percebido
As marcas da crueldade.
Porém, a decepção
Não lhe tirou a ousadia,
Até porque na dureza
Do percurso que seguia
Para vencer essa cruz,
Tinha uma flerta de luz
Que lhe servia de guia.
Finalmente, tal escravo
Após árdua caminhada
Chegou ao fim do percurso
Em manhã ensolarada...
Surgiu, assim, de rojão
E ficou com a visão,
Totalmente, encandeada.
Com o claro bem mais forte
Cujas dores provocou
O escravo já liberto
Em voltar inda pensou,
Tudo isso, na verdade,
Pela imensa claridade
Que o sol lhe projetou.
Também as dores do corpo
Causavam arrependimento,
A saudade e desistência
Vieram no pensamento,
Mas, a determinação,
A firmeza, a decisão,
Demoviam desse intento.
Foi a noite mais afável
À visão e à queimadura,
Sua vista se adequava,
Tinha a dor a sua cura,
Com tal alívio a sentir
Melhor pôde refletir
Sobre essa grande aventura.
Assim, de manhã recobra
A visão de tal maneira
Que consegue observar
A coisa mais verdadeira...
Muito bem mais diferente
E mais real, certamente,
Que as sombras da fogueira.
Sua caverna que era
Seu único mundo real
Ficou desacreditada
No seu aspecto geral
Pela certeza que estava
No que via e que pegava
De uma forma natural.
Animais via nos campos
E pássaros voando ao léu,
Copas de árvores frondosas
No formato de chapéu,
Na beleza que descerra,
Águas via sobre a terra,
Via estrelas sob o céu.
Por vários dias e noites
O escravo observou
As coisas da natureza
Cujo sol iluminou,
Imbuído em mil razões,
Por suas reflexões
Novas idéias formou.
Idéias novas fundadas
Pelos fatos mais reais
Pelo sol que ronda o globo,
Nos espaços colossais,
Na liberdade exercida
E na terra desmedida
Com seus dotes naturais.
Nesse mundo confortável
E bem mais aconchegante
Esquecer não pôde o escravo
Os companheiros de antes,
Esses que são ademais
Eternas vítimas fatais
Das sombras alienantes.
E partiu pra libertar
O seu povo da corrente
Pra viver com liberdade
Uma vida bem decente,
Uma vida mais vital
Em um mundo mais real,
Mais saudável, transparente.
Recuperado das forças,
Mais disposto pra lutar
Partiu ele pra caverna
Já ciente de enfrentar
O trajeto, a escuridão
E a incompreensão
Do que lhes ia contar.
Cheio de novas idéias
Retornou aos companheiros,
Procurou com muito esforço
Em convencê-los primeiro,
Depois com calma, a vagar,
Passou, pois, a relatar
Do que viu de verdadeiro.
Começou por discorrer
Da caverna toda história,
As coisas que apareciam
Numa visão ilusória
A servir de encobrimento
Das horas de sofrimento,
Da vida contraditória.
Depois, um mundo melhor,
De beleza e liberdade
Onde todos poderiam
Viver com felicidade,
Procurou com uns afetos
De palavras e objetos
Externar toda verdade.
Tudo que lá conheceu
Em detalhes foi contado,
A beleza das paisagens,
Os animais pelo prado,
Os passarinhos em bando
Que acenavam cantando
Sob o céu belo, azulado.
Falou dos dias e noites
E das belas cachoeiras,
Da fartura de alimentos,
Das coisas bem verdadeiras
E que são bem diferentes
Das sombras inconsistentes
Projetadas da fogueira.
Ao falar, assim, do mundo
Que a pouco conheceu
Afirmaram os escravos
Que ele, então, enlouqueceu,
Que, certamente, cegara
No percurso em que andara
E no sol que o aqueceu.
Além dessas pichações
Insistentes de cegueira
Deram grandes gargalhadas
Debochadas, zombeteiras
Ao dizer que nos caminhos
Entre pedras e espinhos
Com certeza enlouquecera.
Porém, maior reação
Que causou muita zoeira
Foi ouvir a acusação
De que eles, com asneira,
Tinham a mente falseada
Por imagem projetada
Pelo claro da fogueira.
Todas as afirmações
Lhes causaram forte abalo,
Então, todos os escravos
Pensaram logo em agarra-lo
Porém, uns mais violentos,
Sanguinários, truculentos
Pretenderam executá-lo.
Daí, então, se percebe
A dolorosa missão
Do escravo que aprendeu
Com a dor em cada ação
E tratou logo, evidente,
Em levar à sua gente
A luz da libertação.
Porém, causa rejeição
O impacto da mudança,
Quanta resistência há
E reação com vingança
Contra quem leva a bandeira
Mais legítima, verdadeira,
Da liberdade e esperança.
Por que homens se recusam
De ter sua liberdade?...
Por que tanta reação
E ranços de crueldade?...
A reação sem constância
É fruto da ignorância
Em parte da humanidade.
A escola da caverna
Com suas sombras, então,
Preparou os seus escravos
Pra servirem à escravidão.
Daí porque, sem vontade,
Idéias de liberdade
Não têm sua aceitação.
De forma, como nas trevas
Não há visibilidade,
Também, na ignorância
Saber não há, na verdade...
E é difícil sem o saber
Um povo reconhecer
O valor da liberdade.
Convivemos em cavernas
Piores que a de Platão,
Sofisticadas, modernas,
Que alienam o cidadão
Sem que ele sinta o destroço
Da corrente no pescoço
Nem do peso do grilhão.
Uma das tantas cavernas
Que atuam disfarçadas
É das comunicações
Muito bem sofisticadas,
Sem licença, feito brasa,
Entram, pois, em toda casa
Com mensagens deturpadas.
Os meios de comunicação
São cavernas ardilosas,
Mantém as mentes escravas
Com as cenas escabrosas,
Mostra com imagem e som
Que tudo está muito bom,
Só coisas maravilhosas.
Tornam heróis em bandidos
E bandidos em heróis,
Ladrões em gente decente
O decente em um algoz,
Acoberta a corrupção
Sempre por compensação
De verbas que vêm após.
As novelas ali mostram
Na tristeza ou na alegria
Que tudo termina sempre
Numa grande confraria,
No final, pra completar,
Põem para rir ou chorar
A pobreza e a burguesia.
A granfinagem está lá,
Quase todos passam bem,
Sumiu a desigualdade
Como a miséria também,
Mostra que, em todo tema,
Não está com o sistema
Insatisfeito ninguém.
O restante dos programas
Se dá para perceber,
Não acrescentam de nada
Em matéria de saber,
De política é mais triste
O cidadão que assiste
Tem tudo a desaprender.
Enquanto isso acontece
Aos olhos do lutador,
Daquele que faz de fato
O papel de educador,
As elites aparecem,
Batem palmas e agradecem
Ao telespectador.
Televisão, jornal, rádio
São cutelos, a meu ver,
Econômico ou político
Com funções para manter
Uma gente ignorante
Sem protestar um instante
Da riqueza e do poder.
É a mídia uma cavernas,
Talvez a mais tenebrosa,
Mestre na alienação
Pela mensagem enganosa...
A caverna de Platão
Não tem nem comparação
Com essa arma engenhosa.
Ela é cúmplice de um sistema
Que sem dúvida é o pior,
Mantém a platéia inerte,
Alienada, sem dó.
Incapaz, na marcha bruta
De sequer pensar na luta
Por um mundo bem melhor.
Uma outra vil caverna
Se chama filantropia,
Pega o pobre pelo estômago
Que de fome, então, morria,
Depois de ser socorrido
Fica ele agradecido
Para sempre em toda via.
Essa prática era posta
Por entidades burguesas,
Mas devido os resultados
Com reduzidas despesas
Os políticos vêm usando
E até mesmo abusando
Dessa falsa gentileza.
Vários prefeitos, governos
De estado e presidente
Praticam a filantropia
Para atender ao carente,
É barato e popular
E ainda pra compensar
Tem o voto permanente.
Não há voto mais barato
E mais seguro, também,
Tem o pobre a vocação
De ser um homem de bem,
Se um dado benfeitor
Convenceu-lhe de um favor,
É leal como ninguém.
O voto de gratidão
Está lá assegurado
Não importa se ele faz
Um governo desastrado,
Tudo é insignificante,
Até mesmo o governante
Se é corrupto comprovado.
Daí que o voto em curso
Se transformou em moeda,
Em simples valor de troca
Que lhe causa maior queda...
Pagar com voto a comida
É tornar do povo a vida
Mais enfadonha e mais lerda.
Como na caverna, ali
A ignorância se cria,
Vai o homem pouco a pouco
Perdendo toda valia:
As noções de liberdade,
De justiça, de igualdade,
Da própria cidadania.
Visitemos mais caverna
Que guarda alienações,
Não futebol, carnaval,
De pequenas dimensões,
Mas, sim, dos alienados
Educados por prelados
Das grandes religiões.
Todas as religiões
No contexto popular,
Se puderam sua história
Justo contabilizar,
De montanhas de estorvo,
Certamente, tem ao povo
Grande conta pra pagar.
Não passaram de cavernas
Na educação dos fiéis
Construindo uma cultura
Com seus exemplos cruéis,
Como o endosso à escravidão
Onde as igrejas de então
Bem cumpriam seus papéis.
Foram quase dois milênios
Com os seus conservadores
Educando gerações
Ao gosto dos opressores,
Dois milênios em alertas
Reagindo às descobertas
Dos verdadeiros valores.
Muitos desses formadores
De deserdados da sorte
Não reagiam à extorsão
Que mais parte do mais forte,
Se resumia sua ofensa
Em falar da recompensa
De um reino após a morte.
As imagens repassadas
Na mente de cada irmão,
De respeito, obediência,
Repetida em pregação,
Deixavam-no alienado
Como aquele acorrentado
Da caverna de Platão.
Depois da grande lição
Filosófica, o que fazer?...
Destruir essas cavernas
Pura e simples, sem saber?
Não!... primeiro, com unidade
Nós devemos a verdade
Ante às luzes aprender.
A verdade conhecida,
Nós devemos destruir
A raiz de todos males
Nos entraves ao porvir,
Que é a ignorância
Que, não medindo distância,
Pode a tudo suprimir.
Derrotada a ignorância,
Pondo o homem pra pensar,
Por si só vai descobrir
Os caminhos a trilhar,
E um coletivo imbatível
Vai em marcha irredutível
O Novo Mundo encontrar.

2 comentários:

Medeiros Braga disse...

Sou Medeiros Braga. Como autor do Cordel do Mito da Caverna sinto-me honrado em ve-lo publicado nesse importante blog. Sou autor também de 96 títulos de cordel e 11 livros em estilo, também, de cordel.
Todos na área de educação política. Compreendo que a única forma de mudar o mundo é através da educação política do povo. Não há outro instrumento, outra arma, outra saída. E O Mito da Caverna, que não foi utilizado nesses dois milênios e meio, devidamente, é um desses instrumentos. Ele mostra que o saber liberta; a ignorância, escraviza. Por outro lado, ao tentar atualizar, mostrando as cavernas da era moderna, ele serve de alerta para os leitores, desse risco, desavisados.
Por isso, venho dedicando meu tempo em escrever nesse sentido: Maquiavel, Sócrates, O Manifesto Comunista, A Comuna de Paris, A Guerra Civil Espanhola, Palmares, Caldeirão, Canudos, Contestado, Pau de Colher, A Guerra dos Bárbaros, Rosa Luxemburgo, Nelson Mandela, Luther King, Margarida Maria Alves, e tantos outros, cuja leitura contribui para melhorar o nível de conscientização de nossa gente.

No entanto, gostaria de que o organizador desse Blog, para facilitar a sua leitura, dividisse o Cordel exposto em estrofes de sete sílabas e me fizesse ciente.

Medeiros Braga disse...

Parabéns aos que fazem a APROFFESP. A luta pela introdução da filosofia no currículo escolar é por demais significativa. Até hoje o ensino é mais voltado para a produção, mantendo-se o estudante marginalizado pela ignorância política. A filosofia como saber é um instrumento de libertação do ser humano. Não há como iniciar o processo de liberdade de um povo sem ter por base o conhecimento.

Eu sou o autor de O Cordel do Mito da Caverna postado neste blog. E vejo o mesmo como uma lição de educação política esclarecedora. O escravo que foi lá fora da caverna, conheceu o mundo real, criou conceitos de liberdade ao ver pássaros e animais deslocando-se livremente, esse sim, conseguiu se libertar, definitivamente, enquanto os demais que continuaram na ignorância fizeram questão de permanecer como escravos. O saber e a ignorância são, portanto, respectivamente, instrumentos de libertação e escravidão.

Por falta de lições como essa, as cavernas estão por aí. As sombras que foram substituídas pelo mundo encantador mostrado pelos meios de comunicação, continuam com seu poder de alienação cada vez mais forte. Os que escrevem a história e levam para os bancos escolares são os mesmos que mantêm a poder e o processo de acumulação do capital. Dissimulam a democracia que não incomoda, escondem do povo as causas verdadeiras da violência, da criminalidade, da traficância, da corrupção, do assistencialismo permanente, enfim, de todas as excrescências sociais. Não mostram que a desigualdade social cria os “seres supremos” e os seres inferiores, o opressor e o oprimido, o explorador e o explorado, o prepotente e o humilhado e a incompatibilidade da harmonia e a inviabilidade da construção de um mundo, numa palavra: justo.

Mas, isso vai acontecer, no que pesem todas suas implicações. Nós viemos do comunismo primitivo, passamos pelo escravismo e feudalismo, atingimos o capitalismo e, certamente, haveremos de romper com ele. O seu fim é inevitável. Se ainda não foi rompido, é por conta de colaboradores de esquerda que, no poder, conseguem evitar o seu caos; de retardar o seu desmoronamento.

No entanto, com a introdução da filosofia no ensino da juventude, esse retardamento será neutralizado. Muitos Sócrates e Paulo Freire haverão de surgir, trazendo em uma mão a marreta para destruição desse sistema miserável, e na outra uma pá para construção do mundo que sonhamos